Para quem tem idade suficiente para lembrar o jogo entre a Selecção de Portugal e a Selecção de França, nas meias-finais do Europeu de 1984, precisamente em França, de certeza que se recorda daquela ala esquerda genial que brilhou muito para lá da derrota com que os franceses brindaram os portugueses em 120 minutos de jogo louco, onde qualquer uma das selecções poderia ter ganho (esta é a visão de quem perdeu o jogo, obviamente). Álvaro Magalhães, a lateral, e Fernando Chalana, a extremo, a ala esquerda do SL Benfica, que jogou até mais não, fazendo magia, verdadeiras pinceladas artísticas que fez levantar todo um país acreditando que poderia ser. Não foi. Mas o jogo, aquela ala esquerda, e aquele pequeno jogador de pouco mais de um metro e sessenta, com um bigode a fazer lembrar o Astérix e uma longa e farta cabeleira aos caracóis, pontuado com um enorme nariz que, não sendo um símbolo de beleza, era um pequeno mago com a bola nos pés, fazendo gato e sapato de quem com ele se cruzava, veloz, bonito na jogada, genial no passe e, por vezes, mortal no remate.

Fernando Chalana, o pequeno génio, foi um dos grandes craques do SL Benfica, da Selecção Portuguesa, e ainda permitiu, ao SL Benfica, clube do seu coração, encaixar dinheiro suficiente com a sua venda para o Bordéus de França, para assim conseguir fechar o mítico Terceiro Anel, o tal de onde os adeptos faziam vir o estádio abaixo, tornando a Luz num inferno para quem a visitasse.

Do Barreiro para Lisboa

Fernando Chalana no SL Benfica

Fernando Chalana foi o mais jovem jogador a estrear-se na Primeira Divisão

Fernando Albino Sousa Chalana, nascido a 10 de Fevereiro de 1959, no Barreiro, começou por correr, em atletismo, mas depressa percebeu que gostava muito mais de correr com uma bola nos pés e, aí, foi a correr ao campo da CUF, mas foi preterido pelos filhos de família, os senhores da Companhia e as suas cunhas. Mas não desanimou e foi logo ali ao lado, ao Barreiro, ao Futebol Clube Barreirense, verdadeiro viveiro de grandes craques durante os anos ’70 e ’80 do século passado, que inundaram, em grande parte, as equipas do SL Benfica, com jogadores como José Augusto, Manuel Bento, Neno e Carlos Manuel, e logo lhe disseram que sim, que ele ficaria ali, mas foi claro, para toda a gente, que não seria por muito tempo, pois claro, que o génio já se pressentia. Seis jogos do pequeno génio, rezam as crónicas, foi quanto bastou ao SL Benfica para querer ficar com o pequeno futuro craque, ainda para mais, descartado que fora pelo Sporting CP que achou que não valia 750 contos. Era jogador do Barreirense, e isso deveria ser mais do que suficiente para quem sabia que alguns dos grandes jogadores do Campeonato Nacional, eram formados na margem sul, nesta margem sul, em clube de tão grandes tradições que se deixou desaparecer, infelizmente, na voragem do tempo.

E assim, com 17 anos, Fernando Chalana foi o mais novo dos jogadores portugueses a estrearem-se a jogar na Primeira Divisão. Foi lançado pelo treinador inglês do SL Benfica, John Mortimer. Estávamos em 1976, o SL Benfica recebia o SC Farense, ganharia o jogo por 2 a 1, com golos de Nené e Jordão, que seriam vaiados pelo público, que guardava as palmas para, efusivamente, aplaudir o miúdo do Barreiro.

O pequeno craque do Barreirense, chegou ao SL Benfica em pleno período do PREC, em 1975, com os seus longos cabelos rebeldes e, mais tarde, com a sua, também famosa, Anabela. E por lá ficou até 1984 e ao Campeonato da Europa, onde a Selecção Portuguesa esteve presente, dirigida por um grupo de 4 treinadores: António Morais, José Augusto, Toni e Fernando Cabrita. A grande prova dos portugueses e, em especial, de Fernando Chalana, abriram-lhe as portas da Europa. Bordéus foi o destino. Mas Fernando Chalana deixou a alma em Portugal e, em França, nunca mais foi o mesmo. Faltava-lhe a alegria, mais tarde Anabela e, em 1988, ainda viria fazer mais 2 épocas ao SL Benfica, mas 2 pobres épocas, acabando por ficar só até 1990.

Da Glória à Miséria

Fernando Chalana no Bordéus

Em Bordéus, nunca teve uma consistência como na Luz, e depois chegaram as lesões

Como muitos tecnicistas, principalmente nestes tempos em que a televisão não era uma omnipresença, sofreu muito com as entradas faltosas de quem não o conseguia parar de forma legal. Partiu várias vezes as pernas. Criou rupturas. Foi afastado de muitos jogos. Chegou, inclusivamente, a pensar mudar-se para o Sporting CP quando, durante uma recuperação assaz longa, o SL Benfica quis renovar contrato por valores muito baixos, tendo, o vizinho da Segunda Circular, chegado a oferecer o dobro. Foi Fernando Martins que teve de entrar em campo. E garantir que Fernando Chalana, o pequeno génio, continuaria de encarnado, e não se mudaria para a casa dos seus rivais vizinhos. Mas em vésperas do Europeu, em 1984, nosso assalto, desta vez de Valentim Loureiro, que pretendia levá-lo para o Boavista, e Chalana, a ganhar 350 contos por mês, com garantia de aumento substancial de ordenado, chegou a estar com um pé no Bessa (falou-se de um cheque que Valentim Loureiro teria passado e que o SL Benfica teria mandado devolver). E aí, Fernando Martins foi obrigado a despender bom dinheiro, com a promessa de 1000 contos por mês.

Mas essa promessa acabou por durar pouco tempo pois, depois daquele Europeu do contentamento de (quase) toda a gente, Fernando Chalana deslumbra os franceses e o Bordéus chegou-se à frente para comprar o pequeno genial por 220 mil contos, com um prémio de 100 mil contos para o jogador, e um ordenado de 5000 contos mensais. Algo nunca visto. Nunca um jogador português ganhara tanto. Era mais que ganhar no totobola.

Em França, o quadro alargou-se. Às entradas violentas, lesões invulgares, muitas rupturas e histórias com bruxos. Fernando Chalana tinha tudo para vir a ser um dos melhores jogadores do Mundo, num grande palco do futebol. Não foi. Não o deixaram. Outros tempos, outras vontades.

Voltou para Portugal, de novo para o SL Benfica. Mas vinha lesionado e em recuperação.

Fernando Chalana & Anabela

Fernando e Anabela, a quem muitos acusam da desgraça do jogador

Sven-Goran Eriksson, o sueco treinador da equipa, queixa-se das interferências de Anabela, a mulher de Chalana, durante os treinos e durante os jogos. E castiga o jogador.

Fernando Chalana ressente-se, e nunca mais voltou a ser mesmo. Depois acabou-se a glória e com ela também o seu casamento.  Sem o futebol, o seu dinheiro, a sua fama, o seu glamour, Anabela perdeu o interesse em Fernando.

Anabela separa-se e, segundo alguns, levando quase tudo o que era pertença do seu marido, deixando-o em precárias condições financeiras. Falou-se que, durante algum tempo, nem dinheiro tinha para pagar as contas da água, da luz, do gás.

Fernando Chalana ainda tentou continuar a jogar em outros clubes, como o Belenenses e o Estrela da Amadora, mas sentiu que tinha chegado ao fim. E admitiu-o. Passou um mau período. Até que o SL Benfica o foi buscar e tornou-o treinador das camadas jovens. E Fernando Chalana voltou a sorrir.

Boas Apostas!