Nove da manhã em Londres.
O dia nasce, mas o céu cinzento não permite que o sol ilumine o relvado do centro de treinos de Cobham. À hora marcada por José Mourinho, todos os jogadores estão equipados e prontos para treinar. Nada de estranho para Cesc Fàbregas, já acostumado à falta de sol e à pontualidade em território britânico.
Começa mais um dia de trabalho nos arredores de uma cidade que, segundo o próprio, “nunca conseguiu deixar verdadeiramente” desde que a conheceu aos 16 anos de idade, embora tenha tentado em 2011. Depois de ter representado o vermelho do norte da cidade, agora equipa com o azul dos boys de Stamford Bridge.
Em Londres – fora do futebol e num cenário hipotético -, só haveria um lugar em que poderia desempenhar funções: a Orquestra Sinfónica local, caso assumisse a batuta que pauta a orquestra com a mesma mestria que a utiliza no que concerne às ações de jogo.
Foi considerado o melhor jogador do Mundial de sub-17, realizado na Finlândia, e por isso não é de estranhar que Arsène Wenger se tenha prontificado a indicar a sua contratação. Estávamos em 2003, e o voo de Barcelona com destino a Londres era o início de uma nova vida para o adolescente Cesc Fàbregas, que partia com enorme expectativa rumo ao futebol inglês.
A adaptação não foi fácil, e a língua foi um dos principais problemas com que se deparou. Aos 16 anos, impor-se naquela equipa do Arsenal seria uma tarefa quase impossível, ou não estivéssemos a falar dos invencíveis, formação que marcou a história do clube por ter conquistado a Premier League sem qualquer derrota. Não obstante, a estreia surgiria numa noite de Taça da Liga, frente ao Rotherham United, em que Patrick Vieira ou Gilberto Silva ficaram a observar o jovem espanhol a partir da bancada. Com 16 anos e 177 dias, e sem que ainda se vislumbrasse barba a despontar no rosto do adolescente Fàbregas, tornou-se o jogador mais jovem da história a atuar pela equipa principal do Arsenal. Ato premonitório de novo feito alcançado na ronda seguinte da Taça da Liga: na vitória por 5-1 frente ao Wolves, assumiu-se como o atleta mais jovem a marcar um golo pela equipa principal do Arsenal. O seu início gerou grande expectativa, e embora não tenha feito qualquer jogo no principal escalão naquele ano, havia a perfeita noção do talento que treinava com o mítico conjunto que varreu a Premier sem derrotas.
Uma Nova Era

Foi no Arsenal de Londres, com Arsène Wenger, que Cesc Fàbregas cresceu e se tornou num dos melhores jogadores do Mundo
O contexto em que estava inserido fê-lo crescer. Tanto pela aura vencedora que envolvia o grupo, como pela competitividade interna, qualidade dos intérpretes com os quais interagia, e atenção dispensada por Arsène Wenger. Conjugava tudo isto com a escola que trazia de La Masia. Degrau a degrau, subia rumo a um pedestal que lhe estava destinado se nenhum desvio inoportuno lhe fosse proporcionado.
À entrada para a temporada 2004/05, já com outra maturidade futebolística, foi entrando com maior regularidade na equipa, beneficiando primeiramente de ausências de companheiros de equipa. Era justamente a oportunidade de que Cesc precisava. Não se apoquentou, impôs o seu futebol, e passou a ser opção. Bateu novo registo, e tornou-se o jogador mais jovem a marcar na Premier League com a camisola do Arsenal. Estreou-se na Liga dos Campeões, e foi titular na final da FA Cup desse ano, que culminaria com a conquista do troféu.
Era o início de uma nova era. Patrick Vieira e Edu deixaram o clube, e Fàbregas emancipou-se. Sagrou-se vice-campeão europeu em 2006, derrotado aos pés do clube que o formou, na final de Paris. Certamente se recordará dessa final se lhe relembrarmos a imagem de Belletti, ajoelhado, envolvido em lágrimas após marcar o tento decisivo, ao minuto 81.

Cesc Fàbregas foi para o FC Barcelona para conquistar títulos que lhe faltavam
Foi convocado para integrar a selecção espanhola que rumou à Alemanha para o Mundial de 2006. Aos 19 anos, merecia a confiança de Luís Aragonez e marcava, pela primeira vez, presença em fases finais de uma grande competição pela selecção principal. Seguiram-se os títulos de 2008, 2010, 2012, e estaria também no fim do ciclo vitorioso, em 2014.
Fàbregas deixava de ser uma promessa, e alcançava o estatuto de certeza. Foi uma questão de tempo até envergar a mítica braçadeira de capitão do Arsenal, mas os títulos, esses, escassearam. A sede de voltar a erguer troféus, o chamamento para um regresso a Camp Nou e a possibilidade de ser mais um elemento do tiki-taka da cidade Condal motivaram a mudança. Na hora de deixar o Emirates, a emoção vivida fê-lo escrever na sua página oficial do Twitter o seguinte: “Once a Gunner, always a Gunner”. Mas no futebol, o que hoje é verdade, amanhã é mentira. E a frase inspiradora não se revelaria, ao contrário do que se antevia, uma verdade intrínseca e ilustrativa do caso de Cesc.
Na Catalunha, enriqueceu o palmarés. Ganhou tudo o que havia para ganhar a nível interno e somou-lhe os triunfos na Supertaça Europeia (frente ao FC Porto) e o Mundial de Clubes. Em função da enorme qualidade que já ocupava o meio-campo do Barcelona, foi muitas vezes usado no ataque, como falso 9. A experiência não conheceu o sucesso que havia atingido no Arsenal, pelo menos a nível individual, e durou três épocas. Na última, foi muitas vezes preterido por Tata Martino, e urgiu regressar a um local que echaba de menos: Londres.
London Calling
O regresso a Londres deu-se em junho deste ano.
Com o mesmo dorsal 4 que exibia no Emirates, assinou pelo Chelsea de José Mourinho. A transferência chocou os adeptos do Arsenal, que o tinham como fiel à causa Gunner e um dos capitães mais carismáticos da história do clube.

No Chelsea de José Mourinho, Cesc Fàbregas encontrou uma segunda vida
Mais tarde, Fàbregas faria questão de explicar: falou com Arsène Wenger até porque existia uma cláusula que dava prioridade ao Arsenal caso regressasse a Inglaterra, mas o técnico francês foi claro ao afirmar que não necessitava dos seus serviços uma vez que tinha Mesut Özil no plantel. Hábil como de costume, o treinador português investiu 33 milhões nos seus serviços, uma contratação necessária em função da saída de Frank Lampard e que veio acrescentar qualidade e novas dinâmicas ao meio-campo blue.
É um dos indiscutíveis no esquema do Special One. O futebol cerebral de Fàbregas funciona como locomotiva da equipa, estabelecendo a ligação entre o sector intermediário e o ataque mas não descurando a participação nos processos de construção. Dos seus pés, espera-se sempre que saia uma decisão correta ou uma progressão promissora. A subtileza com que toca o esférico embeleza o jogo do Chelsea, e nela se esconde uma arma letal no último terço. Em onze jogos na Premier League, Fàbregas pode gabar-se de ter feito nove assistências. A inteligência a colocar a bola nos espaços permite que seja uma bengala preciosa do ataque. O estilo de Fàbregas parece simples, mas esconde uma tremenda concentração no jogo. Os passes e os movimentos são sempre feitos com critério, nada é obra do acaso.
Fàbregas joga e faz jogar. É o carvão da locomotiva azul. Não se importa de deixar a exuberância para os outros, e até é ele quem propicia que os colegas se evidenciem. Fica a questão: será que Oscar, por exemplo, estaria a render tanto se não tivesse o espanhol por perto? Certo é que o extraordinário (e contrastante face à concorrência) arranque de Premier League protagonizado pelo Chelsea tem em Fàbregas um fortíssimo alicerce.
Boas Apostas!