“Para Jesus, a posição «6» é a mais importante. Toda a estratégia passa pelo trinco”.

A declaração anterior foi recentemente proferida por Nemanja Matic, em entrevista ao jornal Record. O atleta que chegou à Luz talhado para a posição “8” – em quem Jesus viu potencial para desempenhar função de “6” – foi mais um dos ativos que o treinador português valorizou. No entanto, se a situação descrita por Matic é evidente ao observar as equipas de Jesus, é igualmente consensual que o técnico português está longe de ser o único que reconhece grande importância à posição de médio defensivo, uma das mais valorizadas no atual panorama futebolístico.

O tão falado desaparecimento da “Posição Makelelé” resultou da adopção de um novo paradigma, baseado no recrutamento de atletas de maiores recursos técnicos para a posição. Uma considerável alteração de ordem técnico-táctica motivada, por exemplo, pelas ideias de Guardiola no comando do Barcelona e pelas vicissitudes do jogo como o exercício da pressão alta, condicionando a ação e exigindo mais do portador. O jogador forte fisicamente, com bons argumentos no desarme e rigidez táctica deixou de ser o protótipo de «6».

O treinador actual procura uma simbiose entre a destruição e a construção. Existe uma maior exigência no capítulo da decisão, no transporte da bola para o meio-campo adversário. Tem que haver qualidade com bola, saber entregar jogável, com rapidez, jogar de cabeça levantada, fazer um passe de 30 metros se houver essa necessidade. O «6» moderno tem que ter muito de «8», não estranhando, por isso, o sucesso no caso de Matic até mesmo pelas características físicas do atleta. A aposta em Samaris vem precisamente na mesma linha.

Janeiro de 2014

Voltemos a Janeiro de 2014.

Matic ruma a Londres para uma nova vida com a camisola dos blues, e eis que Fejsa sorri ao ver o compatriota partir. Contratado ao Olympiakos e constantemente na sombra de Matic, toma o lugar assumindo-se como um jogador cumpridor. Não tão dotado do ponto de vista individual quanto Matic, mas revelando um grande know-how no que diz respeito à sua função e aos processos da equipa. A prova-provada de que a aculturação/compreensão das ideias é uma mais valia que, não suprimindo em absoluto as limitações técnicas, relega as mesmas para segundo plano.

Fejsa foi a solução apesar da apreensão que dominava os adeptos, mas nada de novo: assim foi com Matic, após a saída de Javi. Pode não ser tão elegante quanto Matic, cair mais vezes na tentação de fazer falta, mas é um jogador que dá garantias na posição, e Jesus aprecia.

Fala, Jesus

Afonso Canavilhas 6 A Base do Esquema de Jesus

Esta é a base do esquema de Jorge Jesus

Se há bocado iniciei com uma consideração de Matic sobre a influência da posição «6» no esquema do Benfica, tempo agora para recordar as declarações de Jorge Jesus em Nyon, aquando do Fórum de Treinadores da UEFA, em que abordou a chegada de Samaris.

O treinador campeão nacional salientou que o médio grego teria que passar por um natural período de adaptação para “entender as ideias do treinador”. Esta preocupação com a adaptação, o entrosamento com os companheiros, e as noções de jogo reflete evolução se tivermos em conta os últimos anos. Longe vão os tempos em que o atleta chegava, via, e jogava, praticamente entregue a si próprio numa realidade completamente díspar.

Samaris estreou-se em Setúbal, e evidenciou já uma certa habituação ao esquema e às ditas “ideias do treinador”. A descida à posição que Jorge Jesus designa como “posição 4” na primeira fase de construção é uma dessas marcas. Uma espécie de Beckenbauer moderno, pelo local que ocupa nessa fase do jogo. Claro que a inteligência do jogador não é alheia a esta rápida assimilação de processos, bem como o respetivo estilo de jogo. Samaris não complica, é um jogador que agrada pela simplicidade, extrema competência e taxa de sucesso a nível do passe.

Javi García

Javi García

Javi García foi o primeiro 6 de Jorge Jesus no SL Benfica

Falar sobre a importância da posição «6» para Jesus e não falar sobre Javi García seria ingrato. Afinal, foi o primeiro ilustre a pisar aqueles terrenos desde que JJ é treinador do Benfica.

A sua passagem por Lisboa ficou marcada pelo espírito de sacrifício que conquistou os adeptos, e pela agressividade que punha em cada lance. Não sendo tão técnico quanto o seu sucessor, apresentava argumentos a nível tático e qualidade q.b na saída. De resto, contava com o valoroso auxílio do “queniano” Ramires, um verdadeiro operário dentro de campo.

Da influência de Javi no jogo de Jesus, destaco a liberdade que a sua presença dava aos laterais Fábio Coentrão e Maxi Pereira para se envolverem na manobra ofensiva. Cobria-lhes muito bem as costas. Javi García não é um jogador limitado, mas o seu perfil não está tão próximo daquilo que Jesus concebe para este Benfica quanto o de Samaris, por exemplo.

Boas Apostas!