Estamos todos de parabéns. Mês e meio depois de findo o Campeonato do Mundo de 2014, no Brasil, e depois de uma paupérrima participação portuguesa no Mundial, os responsáveis da Federação Portuguesa de Futebol, já reuniram, discutiram, analisaram, pensaram, ponderaram, perceberam e declararam: a culpa foi dos médicos da Selecção de Portugal.

É que estamos muito mais descansados. Pela primeira vez, a culpa não morreu solteira. Não interessa se o resultado de tão doutas reuniões pariu uma inverdade. O interesse reside em afrontar o problema de frente e, por uma vez, não fugir do problema como se ele não existisse.

Não interessa se as opções de Paulo Bento não foram as melhores. Ou se foram sensatas (como convocar Hélder Postiga depois de um ano inteiro com uma lesão). Ponderadas. Não interessa se Paulo Bento se regeu pelos interesses da nação que prometeu defender (falam todos da honra em defender as cores de Portugal) ou dos interesses particulares, de agentes, jogadores, clubes, amigos ou demais possíveis intervenientes. Não interessa se as escolhas de Paulo Bento foram as melhores tendo em conta as obrigações do Campeonato do Mundo, o clima, os jogos, o país (é sempre tudo muito científico mas tem-se sempre a sensação que as coisas são feitas em cima do joelho). Não interessa se Paulo Bento tem perfil de treinador fraco que usa a indiferença e a teimosia como arma e desculpa.

Também não interessa se os jogadores mentiram sobre os seus reais estados físicos e, até, mentais (sim, claro, todos eles tinham uma enorme vontade de ajudar Portugal). Não interessa que fossem vários os jogadores que foram para o Mundial sem clube, à espera de um contrato chorudo. Bem vistas as coisas, são todos muito empreendedores. Têm todos muita alma. Muito desejo de cantar o hino. Mesmo que seja em português do Brasil.

Não interessam os altos interesses financeiros da Federação que tornou a preparação da selecção nacional, numa digressão circense. Não interessa se os jogadores deveriam ter ficado recolhidos, preparando-se para os jogos que aí vinham, preparando-se fisicamente, preparando-se psicologicamente. O que interessa é que era necessário fazer dinheiro com o circo de portas abertas a toda a gente, público, jornalistas, empresários, enfim…

Paulo Bento

Com a participação no Mundial, Paulo Bento viu os seus poderes na Selecção aumentarem

Não interessa que tivessem de jogar debaixo do calor e da humidade de Manaus, e não ter havido preparação. Não interessa que tenhamos (sim, todos nós, portugueses que ficámos por aqui a torcer) sido dizimados pela selecção alemão, e não tenhamos conseguido levar de vencida os americanos de Jürgen Klinsmann. Não interessa nada disto. Nem interessa explicar nada disto. Porque a Federação Portuguesa de Futebol é uma coutada pessoal que não tem que prestar contas a ninguém. Quer dizer, contas a sério. Porque a brincar, as contas são prestadas: segundo Fernando Gomes, Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, “faltou competência” para “cumprir o objectivo mínimo exigível a Portugal”. Bom, forte, corajoso. E faltou competência a quem? Bem, isso já é esperar demais.

A Paulo Bento não foi, com certeza. O seleccionador acabou por ver aumentados os seus poderes no seio das selecções, ao passar a liderar o Gabinete Coordenador Técnico Nacional, que terá como objecto, o controle de todas as selecções nacionais.

Aos jogadores, saber-se-á aquando das próximas convocatórias.

Para já, a única certeza, e para que a culpa não morra solteira, é que a falta de competência aterrou sobre os ombros da equipa médica da Selecção, a única que sofre alterações, com o afastamento de Henrique Jones e Nuno Campos que, mesmo assim, continuarão ligados à FPF, que tem um chapéu muito grande e consegue abrigar toda a gente. Parece que, ao fim de 14 anos sem mexidas na área clínica, esta deveria estar desleixada. Então, José Carlos Noronha, o ortopedista de Cristiano Ronaldo e Radamel Falcao, passa a ser o director da nova Unidade de Saúde e Performance (assim mesmo, em estrangeiro), contando com a colaboração de Paulo Beckert, presidente do colégio de especialidade de Medicina Desportiva da Ordem dos Médicos, e de João Brito, instrutor de cursos de treinador, até então no Qatar.

Numa entrevista concedida ao jornal A Bola, na Quinta-feira, dia 28 de Agosto, Cristiano Ronaldo, capitão da Selecção Nacional, também comentou as declarações de Fernando Gomes, o Presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Sobre a responsabilidade do corpo clínico da Selecção, Cristiano Ronaldo diz que “Ele [Fernando Gomes] é presidente, mas não julgo que sejam os médicos os responsáveis pela incompetência da Selecção. O doutor Henrique Jones era excelente, estava há muitos anos na FPF.” Mas também admite que, ao fim de algum tempo, será necessário refrescar as equipas para que estas não estagnem. “As mudanças têm de ser feitas, há ciclos também para jogadores, treinadores, dirigentes e nesse sentido o doutor José Carlos Noronha é uma mais valia, um amigo. Se o presidente entendeu que foi boa mudança e que é uma mais valia, temos de apoiar. Ele é excelente…”.

Mas não fugindo às perguntas e às suas responsabilidades, Cristiano Ronaldo ainda afirma que: “Os culpados são todos, de jogadores a treinadores, passando pelos médicos.”

Supomos que a procissão ainda vai no adro e que muita tinta ainda há-de correr. Basta que os próximos resultados da Selecção não sejam positivos.

Agora sim, identificados os problemas, Europeu de 2016, aí vamos nós. Desta vez, para ganhar.

Boas Apostas!