Se tivéssemos perdido a última eliminatória, por um minuto, seríamos perdedores? Não. Para as outras pessoas, sim, mas, para mim, não. No final, o que importa é aquilo que tu fazes para ganhar, é isso que é o mais importante –Pep Guardiola

No mesmo dia em que Pep Guardiola falava assim na sua conferência de imprensa em Munique, na Liga NOS, o último classificado foi ganhar ao Estádio do Dragão, enquanto o 11º classificado era, uma vez mais, goleado em casa frente a um dos primeiros classificados. Na mesma jornada, já tínhamos visto o SC Braga de Paulo Fonseca, uma das equipas mais elogiadas da competição, ser goleada no Estádio da Luz. Quem são os bons, os maus e os vilões desta história?

A ideia está acessível a todos

Não nos podemos esquecer de um princípio que toca todas as análises que podemos fazer – no alto rendimento, o que conta é o resultado. Todos aqueles que fazem o negócio andar (os adeptos, os administradores e investidores que, em última análise, pagam o profissionalismo existente no futebol) medem o seu grau satisfação pelo resultado final dos jogos e dos campeonatos, não sendo raro encontrar quem diga que não se importa de ser campeão com uma equipa que não jogue nada e ganhe todos os seus jogos com grandes penalidades inventadas.

Mas será mesmo verdade? Será que poderíamos viver num mundo em que a opção dos vencedores fosse, sempre, optar pelo caminho mais feio para vencer? Estou certo que não. Não será por acaso que muitos adeptos e até alguns administradores preferem ver as suas equipas a “jogar bem”, mesmo que isso implique não conseguir os mesmos resultados que um “jogar mal” pudesse oferecer.

Se Mauro faz chegar a bola a Rafa, a ideia de jogo seria melhor?

Se Mauro faz chegar a bola a Rafa, a ideia de jogo seria melhor?

Ficamos assim divididos entre um “jogar bem” e um “jogar mal” que, em boa parte dos casos, nos é difícil de destrinçar. A jogada do primeiro golo do Benfica frente ao Braga será um excelente caso de análise. Estaria o Braga a jogar bem, abrindo as suas linhas na saída de bola de maneira a procurar uma linha de passe que lhe oferecesse vantagem na chegada ao ataque, ou estaria o Braga a jogar mal, expondo-se à pressão do Benfica e a transformar uma perda de bola num lance com grande probabilidade de golo para o adversário?

Tudo aquilo que o Braga nos demonstrou ao longo da temporada nos diz que aquela opção é um “jogar bem”. Paulo Fonseca cumpre com os seus princípios, arrisca e, umas vezes vence, outras vezes perde. A ideia está acessível a todos, porque é repetida jogo a jogo e assumida pelo seu treinador – falamos de Paulo Fonseca, mas podíamos falar, também, de Jorge Jesus -, sendo que hoje em dia existem muitos treinadores formados e capacitados para fazer a sua equipa “jogar bem”. Mas, na verdade, as boas opções nem sempre nos levam aos melhores resultados.

Operacionalizar a ideia

Pessoalmente, gostaria de viver num mundo em que os treinadores, no final de cada jogo, fossem convidados a explicar as partidas do ponto de vista do processo de operacionalização do seu jogar. Mais importante, para mim, do que saber se a equipa procura aplicar a ideia y ou a ideia z, seria perceber o que estava na mente do técnico e que distâncias posso eu encontrar entre a ideia e aquilo que vi no campo. Porque, parece-me, a resposta a boa parte das dúvidas sobre as equipas que “jogam bem” ou “jogam mal” poderia ser aí encontrada.

Tondela roubou mais três pontos a um dos grandes

Tondela roubou mais três pontos a um dos grandes

Estamos já, neste momento, num território que vai bem para lá do resultado alcançado no final. Mas seria fundamental, em termos de compreensão do jogo, perceber porque é que em duas partidas em que, estatisticamente, os dados são tão próximos, as realidades do que aconteceu em campo são tão díspares. Sporting e FC Porto, tal como Belenenses e Tondela, tiveram praticamente o mesmo número de remates. Os Dragões remataram 16 vezes para não conseguir nenhum golo, o Sporting rematou 14 vezes para conseguir cinco. Já os de Belém remataram oito vezes para conseguir dois golos, com zero pontos, enquanto o Tondela rematou o mesmo número de vezes para conseguir um golo e três pontos.

Mas não é o resultado que interessa. O que interessa é a distância entre a ideia e a sua concretização. Se Petit desenhou a sua equipa para controlar as perdas de bola em zonas perigosas, Velazquez expôs-se a ser degolado logo nessa primeira fase de construção. A ideia do “jogar bem” está mais presente na equipa azul, mas, na realidade, a ideia de pouco serve quando se propõe a uma autodestruição perante a adversários como o Benfica ou o Sporting.

Quando o fraco se faz (parecer) forte

Ainda que fique compreendido o ponto anterior, a verdade é que somos de novo puxados a olhar para a tabela classificativa e a compreender que para além dos jogos com os grandes, as realidades das equipas da segunda metade da tabela da Liga NOS faz-se dos jogos entre si. E por aí poderemos concluir que o “jogar mal” do Tondela pode valer-lhe pontos contra os grandes, mas não o deixa sair dos últimos lugares da classificação, podendo levá-lo à descida de divisão, enquanto para o Belenenses, duplamente envergonhado em casa perante os rivais da cidade, a manutenção na Liga NOS está mais do que garantida.

Parece que é, mas será que é?

Parece que é, mas será que é?

Esta será a ideia com a qual não nos confrontamos demasiadas vezes. Porque o que é mal feito, seja no “jogar bem” ou no “jogar mal”, muitas vezes chega para se ter sucesso na Liga NOS. As ideias apareceram em muitas equipas ao longo dos anos, mas a sua consistência é sempre colocada em questão no momento da operacionalização. E é quem operacionaliza melhor quem consegue, no longo termo, ter mais sucesso, seja no campeonato português, seja noutros campeonatos europeus. Quem não o consegue fazer, lamenta-se da falta de oportunidades, mas, nos nossos dias, acredita-se cada vez menos em “obras primas” que não chegam a ver a luz do dia.

Lia numa rede social uma referência à possibilidade de existirem cem treinadores do escalão que poderiam estar na Liga. E é verdade. Se o princípio de escolha fosse o fazer “jogar bem”. No entanto há bastante mais do que isso. E o “falar bem”, quando nunca se pede que se explique a forma utilizada para fazer chegar a sua equipa ao “jogar” que pretende, pode ser uma das qualidades apreciadas para manter o lugar.

Ontem, quando perguntaram a Raymond Domenech o que se poderia fazer para salvar o Marselha (equipa a viver uma crise de resultados na Ligue 1), o antigo selecionador francês disse: “é preciso rezar por eles”. Para quem considerar que as vitórias e as derrotas dependem dos golos marcados no último minuto, está aí uma boa solução.