Chamava-se Mário Esteves Coluna. Nasceu em 1935, em Inhaca, Moçambique. Era um português ultramarino, um português nascido em Moçambique. Era Moçambicano. E do Benfica. Era Medalha de Prata da Ordem do Infante D. Henrique. E era conhecido por senhor Coluna, assim mesmo, como o grande Eusébio, por respeito, o tratava. Porque africano, também era o Mais Velho. O que acumula o saber e o conhecimento. Era, e será, uma glória. Do Benfica, de Portugal, de Moçambique.
Em 16 anos de Benfica foi 2 vezes campeão da Europa, venceu por 10 vezes o Campeonato Nacional, ganhou 7 Taças de Portugal e conquistou o 3º lugar no Campeonato do Mundo de Futebol, em Inglaterra, em 1966. Foi capitão do Benfica, capitão da Selecção Portuguesa e capitão de uma Selecção do Mundo num jogo de homenagem ao antigo guarda-redes espanhol Ricardo Zamorano. Foi o segundo jogador africano a erguer uma Taça dos Campeões (o primeiro fora José Águas, angolano, também do Benfica). Está entre os 100 melhores jogadores do século XX, segundo a FIFA. E era conhecido como o Monstro Sagrado. E o Capitão.
Faleceu Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014. Tinha 78 anos. E uma enorme vida deixada para trás.
As Origens
Mário Coluna nasceu num bairro pobre de Lourenço Marques, actual Maputo, capital de Moçambique, filho de pai português e mãe moçambicana. Como muitas crianças, Coluna aprendeu a jogar à bola nas ruas do bairro. Descalço. Com bolas feitas de trapos. E também como muitas outras crianças na época, cedo começou a trabalhar para ajudar em casa. A vida era difícil e toda a ajuda era bem-vinda. E a infância era feita assim, de brincadeira, de estudo (algum e para alguns) e de trabalho, de muito trabalho, porque algumas infâncias são assim, quase adultas.
Mas desde cedo que Mário Coluna mostrou especiais capacidades atléticas. Fosse no boxe ou no atletismo – era muito ágil, o que lhe permitiu ser muito bom no salto em altura, por exemplo, chegando a ser campeão em Moçambique -, Mário Coluna era sempre um dos melhores, quando não mesmo o melhor. Mas também, já então, o futebol era uma das suas paixões e, também aqui, Coluna era um jogador raro.
No entanto, no seu horizonte estava a ideia de vir a ser mecânico de automóveis. Numa época sem muitas expectativas para alguém que não tinha grandes possibilidades de estudo, que vinha de uma família sem posses e com sangue negro a correr-lhe nas veias, ser mecânico era uma boa maneira de vir a conseguir ter uma vida digna e segura. Um salário certo, um trabalho que não faltava e a comida todos os dias na mesa. Só que o futebol trocou-lhe as voltas ao sonho. Ou um sonho maior roubou-o ao sonho mais modesto.
Começou cedo a jogar futebol no Ferroviário de Lourenço Marques. Tanto deu nas vistas que, aos 17 anos, está a jogar no Desportivo de Lourenço Marques, uma filial do Sport Lisboa e Benfica. Avançado, Mário Coluna já carregava o clube nas costas, levando-o a várias vitórias e bastantes golos. Pois as notícias correm céleres e F.C. Porto e Sporting tentam contratá-lo, mas o Benfica, apelando ao coração do jovem jogador e fazendo valer o seu estatuto de casa mãe do Desportivo, acabou por levar a melhor sobre os seus mais directos adversários. Em boa hora.
O Benfica
Em 1954, Mário Coluna era, então, jogador do Sport Lisboa e Benfica. Coincidente, ou não, a sua chegada acaba com a hegemonia desportiva do Sporting Clube Portugal que, até então, vinha de uma série de vitórias que lhe garantira um tetra campeonato. Mas a vida de Coluna no Benfica não foi fácil. O ataque do Benfica era muito forte, estava lá o José Águas, e o jovem Mário Coluna teve muitas dificuldades em se impor, chegando até a desesperar e a ponderar a hipótese de voltar para Moçambique. Até que, um dia, Otto Glória, o treinador dos encarnados, que não era grande apreciador das suas capacidades como avançado, resolve reinventar o jogador e fá-lo recuar para o meio-campo. E foi então ai, nessa aposta pessoal do treinador do Benfica, que se descobriu o grande patrão e motor da equipa. O senhor Coluna passou a ser o maestro do jogo encarnado.
Campeão logo no seu ano de estreia, em 1954, acabando assim com a série vitoriosa do Sporting, Mário Coluna voltaria a ser de novo campeão em 1957, mas tudo se estava a preparar para a década dourada dos anos ’60, onde, aí sim, o futebol do Benfica, sob a visão de jogo de Coluna, a jogar, a fazer jogar e a mexer as peças no campo, seria esmagador. 8 Campeonatos Nacionais e as 2 fabulosas Taças do Campeões, a segunda delas já com o seu amigo para a vida, Eusébio da Silva Ferreira. Mário Coluna era o rei do campo. Quem mandava, dentro das quatro linhas. O patrão. Ou como também veio a ser conhecido, o Monstro Sagrado. Nas 2 finais vencedoras na Taça dos Campeões, Mário Coluna marcou golos. Contra o Barcelona e contra o Real Madrid.
O senhor Coluna continuaria a sua caminhada vitoriosa no Benfica até 1970, ano em que foi dispensado pelo clube do seu coração. Tinha 35 anos. Ainda tentou o estrangeiro. Esteve 2 anos no Olympique de Lyon, onde fez 19 jogos já sem grande brilho. Resolveu pendurar as chuteiras e deixar-se manter no coração dos benfiquistas que o viram jogar ou que ouviram falar dele.
A Selecção
Com a sua carreira cimentada no Benfica, Mário Coluna viu-se também, e de uma forma natural, ser chamado à Selecção Nacional. Tal como no seu clube, Coluna foi uma peça fundamental na composição do jogo, na sua visão e distribuição de peças, e na conquista do terceiro lugar no Campeonato do Mundo de 1966, em Inglaterra, o campeonato do seu amigo Eusébio da Silva Ferreira, mas que só o foi porque houve jogadores, como Coluna, que permitiram que assim o fosse. E tanto assim o foi que Coluna teve lugar reservado no onze eleito pela FIFA. Nesse onze constam os portugueses Eusébio, Vicente (irmão de Matateu) e Mário Coluna, num meio-campo partilhado com Franz Beckenbauer e Bobby Charlton.
Mário Coluna representou Portugal por 57 vezes. Despediu-se da selecção em 1968 com uma triste derrota por 4 a 2 contra a selecção da Grécia, num jogo de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1970, que se iria jogar no México e onde Portugal não iria. Depois da glória de 1966 e da despedida de Mário Coluna, Portugal só voltou a um novo Campeonato do Mundo em 1986, de novo no México. Mas este foi um mau Mundial. Para esquecer. Ou lembrar.
E Depois
E depois, depois da Selecção de Portugal e do Benfica, Mário Coluna ainda andou 2 anos pelo Olympique de Lyon, mas já sem a força de antigamente. Voltou para Portugal e terminou a carreira como jogador-treinador do Estrela de Portalegre. Mas sem grande sucesso, vendo fechar-se um ciclo de tantas glórias, Mário Coluna voltou para a sua África natal. Primeiro ainda passou por Angola, onde foi treinador do Benfica de Huambo.
Logo de seguida resolve voltar para Moçambique e ajudar na reconstrução do país após a independência. Foi deputado pela Frelimo. Criou, com o apoio financeiro da FIFA, uma Academia de Futebol na Namaacha para descobrir novos e potenciais talentos. E, por último, foi eleito presidente da Federação Moçambicana de Futebol.
Morreu a 25 de Fevereiro de 2014, e já deixa uma enorme saudade. Até mais, senhor Coluna.