No dia 26 deste mês de Junho, fez exatamente 20 anos que a Inglaterra perdeu para a Alemanha, nas meias finais do Campeonato da Europa de 1996, através da marcação de grandes penalidades, e desde então que não tem conseguido vencer mais nenhum jogo através da marcação deste castigo máximo. Stefan Kuntz, ex futebolista alemão que bateu uma das grandes penalidades em 1996, diz que ter controlo sob a nossa mentalidade é chave para bater um pênalti.

Stefan Kuntz diz recordar-se daquele momento bastante bem. Aquela meia final do Euro de 1996 entre Inglaterra e Alemanha, em Wembley, foi o auge da sua carreira, diz Kuntz. O aniversário do jogo fez 20 anos este Domingo, e é justo dizer que as repercussões do resultado têm sido mais duradouras para a Inglaterra, do que para a Alemanha. O jogo tinha terminado 1-1 e foi então levado até à marcação de grandes penalidades. Kuntz pediu ao treinador Berti Vogts para o colocar como o 5º jogador a bater o pênalti por uma simples razão: o avançado esperava que as penalidades já tivessem acabado antes de chegar a vez dele. Stefan Kuntz apenas estava em campo porque Jurgen Klinsmann se tinha lesionado nos quartos de final contra a Croácia, num encontro bastante duro. Contudo, foi ele quem marcou o golo de igualdade contra a Inglaterra, marcando ainda outro golo, desta vez de cabeça, que acabaria por ser anulado.

À medida que avançado alemão via a Inglaterra converter em golo todas as 5 grandes penalidades, este começou a ficar furioso. “Foi terrível para mim. Escolhi ser o último porque não queria bater nenhum pênalti, e quando chegou a altura, o meu pênalti era o mais importante de todos. Durante a caminhada até à bola, sentes-te tão sozinho, com medo. Precisava de encontrar uma maneira de conquistar os meus nervos, por isso, enchi-me de raiva. Desta forma, consegui esquecer que estava nervoso.” Disse o alemão.

Kuntz pensou nos seus filhos, que na altura tinha 5 e 7 anos, e como eles ia ser gozados pelos colegas de turma se ele falhasse a grande penalidade. “Fiquei tão furioso só de pensar que os meus filhos iam ser gozados que pensei: Não faças isto à tua família!” Então, Kuntz, de pé esquerdo, converteu a grande penalidade a favor da sua selecção. Estava tão tenso no fim de marcar aquele pênalti que até se esqueceu de sorrir, tendo apenas respirado fundo e voltado para o circulo de meio campo.

Andreas Möller, o homem que correu para apontar o pênalti decisivo do Euro de 1996.

Andreas Möller, o homem que correu para apontar o pênalti decisivo do Euro de 1996.

O jogo estava então 5-5 em grandes penalidades. Seguia-se a morte súbita. O jogador inglês que se seguiu a bater a grande penalidade foi Gareth Southgate, cujo fraco remate foi defendido por Andreas Köpke. Andreas Möller converteu o pênalti decisivo, embora os alemães ainda não tivessem decidido quem iria bater esse pênalti antes de Southgate falhar, foi então que Möller correu em direcção à bola antes que alguém pudesse contestar.

A Inglaterra tinha então perdido o jogo. Mais importante ainda, foi neste momento que a questão psicológica de Inglaterra com a marcação de grandes penalidades nasceu. O trauma desta derrota foi muito maior que em 1990, quando a Alemanha os tinha eliminado nas semi finais do Campeonato do Mundo, em Itália, também através de pênaltis. Desta vez, a Inglaterra era o País anfitrião, e foi eliminado novamente através da marcação de grandes penalidades, também pela Alemanha. A imprensa inglesa encheu-se de metáforas militares, sobre a Segunda Guerra Mundial, especialmente o jornal The Mirror cuja manchete foi demasiado longe mesmo antes do jogo, levando mesmo ao patrocinador Vauxhall tirar a sua publicidade do jornal, e mais uma vez, a Inglaterra ficou aquém das expectativas.

“Havia uma pressão adicional por causa do significado do jogo, especialmente pelo facto de que era a Alemanha. Sabíamos que a media tinha transformado este jogo numa guerra, mas para nós, nunca foi assim. Nem mesmo os nossos pais participaram na guerra, por isso, não percebemos aquelas manchetes. Tudo teria sido melhor para a selecção de Inglaterra se o jogo não tivesse sido acerca da guerra ou da história, e sim apenas sobre futebol. A media desenvolveu tanto este jogo que acabou por colocar ainda mais pressão em cima dos jogadores.” Disse Kuntz.

Para juntar à desgraça inglesa, estes tiveram que suportar mais uma derrota através de grandes penalidades pouco tempo depois, no Mundial de 1998, contra outra nação com a qual o País também um histórico complicado no que toca ao desporto e à política: Argentina. A Inglaterra voltou então a perder. Portanto, no momento em que enfrentaram Portugal no Euro 2004, saindo novamente derrotados, havia já um complexo bastante enraizado sobre a marcação de grandes penalidades.

Ponto de vista profissional

Teria este complexo desaparecido se Inglaterra tivesse perdido para outra selecção nos pênaltis em 1996? Por exemplo contra a Suíça, ou República Checa? Alex Gordon, um profissional em semiótica, em analisar o significado em acontecimentos do quotidiano explica: “Para mim é evidente que o futebol internacional é o substituto moderno para batalha. Vemos isso não só pelo vocabulário usado nos relatos de futebol – ganhar o território, fuzilar a baliza adversária, etc – mas também nos hinos nacionais e nas bandeiras que carregam o símbolo das selecções antes e durante os jogos.”

“A marcação de grandes penalidades é fundamental para a forma de como uma nação se vê. Toda a sua narrativa cultural está a ser gravada à medida que vai ocorrendo, e o mito nacional está a ser reforçado. No caso de Inglaterra, é absolutamente importante porque em cada derrota na marcação de grandes penalidades é uma lembrança da nossa perda de império, e a derrota em pênaltis é sobre a nossa situação global.”

Uma das meias finais em que os ingleses não levaram a melhor na marcação de grandes penalidades.

Uma das meias finais em que os ingleses não levaram a melhor na marcação de grandes penalidades.

Gordon também liga a clareza e simplicidade de um pênalti a um combate de um para um, ligado ao romantismo do tempo de Hector, Lancelot e Robin Hood. ” Historicamente, o duelo é sobre valentia, cavalheirismo e romance, e todos esses factores fazem parte da marcação de uma grande penalidade. Existe o respeito de esperar que o teu adversário esteja pronto. A masculinidade tem um papel importante, apenas o mais corajoso aceita marcar uma grande penalidade, mas falhar é como perder a categoria de macho alfa. É como um leão que perde uma luta e perde o seu orgulho. É sobre a estrutura essencial do sistema tribal humano e animal.” Explica Gordon.

A Inglaterra não vence através da marcação de grandes penalidades desde aquela dramática noite de verão, em Wembley. Nas duas últimas vezes que chegou às eliminatórias de um Campeonato da Europa, foi sempre eliminada da mesma maneira, através de grandes penalidades, em 2004 por Portugal, e em 2012 pela Itália. À medida que a equipa orientada por Roy Hodgson se prepara para enfrentar a Islândia esta segunda-feira, e possivelmente a França nos quartos de final, o fantasma das grandes penalidades aproxima-se.

Para isto, o avançado alemão, Stefan Kuntz, tem um concelho a dar aos ingleses, embora este chegue 20 anos depois: “Ás vezes, quando estás em casa, consegues sentir a dúvida dos teus próprios fãs. Pergunto-me se Southgate pensou: Até mesmo os fãs acham que não vou conseguir marcar golo. O que está na nossa mente é, muitas vezes, o que vai acontecer, e controlar a tua mentalidade é uma grande parte do jogo.”

Boas Apostas!