Héctor Yazalde não foi o primeiro jogador estrangeiro a jogar pelo Sporting Clube de Portugal, mas foi um dos primeiros grandes jogadores estrangeiros a actuar em Portugal.
Portugal não é um país de destino final no futebol. E nunca o foi. Por mais competitiva que seja, por vezes mesmo nivelada por baixo, a Primeira Liga não está ao nível da La Liga, da Bundesliga, da Premier League, ou da Série A. Pelo menos, financeiramente. A incapacidade financeira de Portugal não consegue segurar os seus melhores jogadores e, muito dificilmente consegue comprar jogadores estrangeiros de topo. Mas há excepções. As tais que confirmam a regra. Normalmente são jogadores em fim da carreira, mas com muito ainda para dar, como foram os casos de Michel Preud’homme, Peter Schmeichel ou Pablo Aimar. Ou então, em início de carreira, como Angel di Maria, Aldo Duscher ou Van Wolfswinkel. Ou, ainda, jogadores em transito, que esperam que Portugal possa ser um trampolim que os transporte para as melhores equipas dos melhores campeonatos e os clubes, ao mesmo tempo, com a expectativa de conseguir um bom encaixe financeiro. Foi assim com jogadores como Falcao, Nemanja Matić ou Matías Fernández..
Pode dizer-se que, Portugal é um bom entreposto. Os jogadores chegam, crescem, dão nas vistas nas grandes montras internacionais, e depois são vendidos a peso de ouro. Mais ou menos. No meio de tantas apostas de jogadores, há muitos que não conseguem passar da mediania. Durante muitos anos foi assim para vários jogadores brasileiros que tentavam servir-se de Portugal como uma boa porta de entrada na Europa. E Portugal também se serviu deles. Nos últimos anos, Portugal tem servido para acabar de formar grandes potenciais jogadores que utilizam o facto de, especialmente, Futebol Clube do Porto e Sport Lisboa e Benfica frequentarem a Liga dos Campeões e terem oportunidade de acabar de formar jovens promessas e mostrá-las na alta roda do futebol, abrindo o apetite voraz de quem tem capacidade financeira para usufruir do que de melhor vai surgindo no Mundo, mas que, a mais das vezes, não tem a disponibilidade imediata de ver crescer uma jovem promessa. Aliás, o mesmo se passa, à sua dimensão, com o Porto, o Benfica e o Sporting, utilizando as suas equipas B e clubes satélite e demais empréstimos, para ver o crescimento de potenciais promessas. No caso do Sporting, isso é ainda ampliado pela formação que tantos frutos tem dado, como Cristiano Ronaldo, Nani, Simão Sabrosa ou Bruma, mas que a incapacidade financeira para os segurar tem obrigado à sua venda.
Mas nem sempre foi assim. Ou melhor, mesmo tendo sido muito assim, ainda houve vezes que não foi especialmente assim.
O Herói do Pampas
Estávamos em 1971 e, a Alvalade chegava Héctor Yazalde, jovem campeão argentino.
Num país que estava habituado a ver os seus ídolos em português, ou em português ultramarino, a chegada de um argentino causou estranheza. Estranheza por ser de outras latitudes e estranheza por ser um desconhecido para quase toda a gente – ainda não havia internet. A verdade é que o campeão argentino precisou de algum tempo para se afirmar. E para cair no goto dos sportinguistas e demais adeptos do futebol. Mas foi fazendo-o. Pouco a pouco. Crescendo. Mostrando o que valia. Mostrando porque se tinha transformado num herói argentino e o porquê de se ter transferido para o Sporting. Um jogador que fora cobiçado por alguns dos grandes clube da época, como o argentino Boca Juniors, o uruguaio Nacional de Montevideo, os brasileiros Santos e Palmeiras, o espanhol Valência ou o francês Lyon. Mas que acabaria por escolher o Sporting, que tinha ganho a Taça das Taças 6 anos antes, o Campeonato de Portugal 2 anos antes e a Taça de Portugal nesse mesmo ano. Há razões que se desconhecem. Mas que não importa. Foi para Lisboa que Héctor Yazalde veio e, depois de um início titubeante, explodiu na época de 1973/74. Época onde Yazalde mostrou toda a sua força e elegância, avançado aguerrido, com enorme disponibilidade de remate, e se sagrou o Melhor Marcador da Europa ao fazer 46 golos em 29 jogos. No ano seguinte marcaria 30 golos em 26 jogos. Era obra. Mais que 1 golo por jogo. E ainda hoje se mantém o seu recorde.
Para uma geração que cresceu para o futebol no início dos anos ’70, o Benfica tinha Eusébio e o Sporting tinha Yazalde. Pouco depois também o Porto teria Cubillas, outro dos grandes jogadores estrangeiros a actuar em Portugal nessa época. Mas o que interessa aqui, agora, é mesmo este pequeno argentino com ar rebelde, fruto dos anos ’70, cabelos compridos e desgrenhados, elegante, de futebol bonito e funcional.
Héctor Yazalde nasceu em 1946, em Villa Fiorito, onde também nasceria Diego Maradona, um bairro pobre nos arredores de Buenos Aires, capital da Argentina, e que em 1995 se tornou cidade, no seio de uma família de poucos recursos. Aos 13 anos começou a trabalhar, primeiro como distribuidor de jornais e depois como vendedor de bananas, e que lhe valeu a alcunha de El Chirola (trocos, moedas de pouco valor) que o iria acompanhar ao longo da vida. Aos 18 anos, e por puro acaso, ao assistir ao treino de futebol de um amigo, acabou também por jogar e, nesse mesmo dia, assinar contracto e receber, por esse contracto, o mesmo que ganharia num mês a vender bananas. Dois anos depois foi transferido para o Independiente de Avellaneda e, nesse mesmo ano, sagrou-se campeão argentino. No ano seguinte voltou a revalidar o título de campeão, ganhou o título de Melhor Marcador do Campeonato Argentino e foi chamado à Selecção Argentina. Ao todo, em 113 jogos que fez pelo Independiente de Avellaneda, Héctor Yazalde marcou 72 golos. E é assim, depois desse retumbante e rápido sucesso, fruto de um acaso, que Yazalde, o herói do Pampas, chega a Lisboa para representar o Sporting Clube de Portugal e se tornar um ídolo nacional e, pouco depois, internacional.
A Estrela de Alvalade
Chegado a Portugal, para a época 1971/72, Héctor Yazalde estreou-se a marcar 2 golos contra o Boavista, num resultado de 4 a 1 para o Sporting. Mas este foi um ano de adaptação difícil. Héctor Yazalde jogou 20 jogos e marcou 9 golos. Pouco para a estrela argentina, mas a Europa, mesmo a Europa portuguesa, não era a América do Sul. O clima, a alimentação, o tipo de futebol, a distância. Tudo influenciou. E a carreira do Sporting também não ajudou. Terminou o Campeonato em 3º lugar.
Na época seguinte, Yazalde já se destacou. Ficou em 3º na lista de Melhores Marcadores do Campeonato Nacional, atrás de Eusébio, do Benfica e de Flávio, do Porto. O craque argentino marcou 19 golos em 29 jogos. O Sporting, terminou a época em 5º lugar no Campeonato, mas Yazalde ganharia o seu primeiro troféu em Portugal, ao ajudar o seu clube a conquistar a Taça de Portugal. Estava em preparação a brilhante época que se seguiria.
Chegados, então, à época de 1973/74, tudo se transformaria. Héctor Yazalde, o Chirola, ganhava, finalmente, a dimensão com que tinha chegado e que, verdadeiramente, merecia. Nessa época, Yazalde conseguiu marcar 46 golos em 29 jogos, sagrando-se o Melhor Marcador do Campeonato Nacional e conseguindo conquistar a Bota de Ouro de Melhor Marcador de todos os Campeonatos da Europa, com uma marca, 46 golos em 29 jogos que, ainda hoje, não foi ultrapassada. Nessa época Yazalde só falhou um encontro, contra o Futebol Clube do Porto, e só não conseguiu marcar ao Vitória de Setúbal. Todas as outras equipas sofreram com a veia goleadora da estrela argentina de Alvalade. Nesse ano, Héctor Yazalde foi campeão nacional com o Sporting e voltou a ganhar a Taça de Portugal. E bastaria esta única época para o tornar uma lenda no futebol português. Mas Héctor Yazalde não ficaria por aqui.
1974 foi também o ano do Campeonato do Mundo da Alemanha Ocidental. A Argentina não fora a grande Argentina de outros tempos e dos que viriam a seguir – em 1978, no seu Mundial, a Argentina sagrar-se-ia vencedora -, mas Yazalde esteve lá e assinou o livro de registos. Na primeira fase do Campeonato do Mundo, a Argentina perdeu 3 a 2 com a Polónia, empatou 1 a 1 com a Itália e venceu por 4 a 1 o Haiti, com 2 golos de Héctor Yazalde, que lhes valeria a passagem à segunda fase do Campeonato. Mas aí, cruzaram-se com o carrossel holandês de Johann Cruyff e o samba brasileiro e acabaram eliminados. Héctor Yazalde deixou uma boa imagem do seu futebol, jogando em 3 das 6 partidas da selecção argentina e despertou a cobiça do Real Madrid. Mas o Sporting não o deixou sair. E Héctor Yazalde replicou, na época seguinte, mais outra boa temporada ao serviço do seu clube, o Sporting Clube de Portugal.
Portanto, época de 1974/75. Depois de um final de época brilhante e da participação no Campeonato do Mundo, muito se falou da saída de Yazalde para um colosso europeu. Mas a verdade é que Yazalde continuou de leão ao peito. E de novo, a celebrar maravilhas. Nos 26 jogos em que participou no Campeonato Nacional, Héctor Yazalde marcou 30 golos. Estes 30 golos valer-lhe-iam, de novo, o título de Melhor Marcador nacional e a Bola de Prata, como o 2º Melhor Marcador da Europa. Mas não valeu de muito à sua equipa, que se ficaria por um modesto 3º lugar no Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Era hora de se desfazerem, então, do seu craque.
No final da época, Héctor Yazalde romaria para o Olympique de Marseille. Para trás deixaria 4 épocas de sonho ao serviço do Sporting Clube de Portugal, para quem marcou 126 golos. Desses, 104 foram marcados no Campeonato Nacional em, precisamente, 104 jogos. Uma fantástica média de 1 golo por jogo.
Uma Estrela no Ocaso
Chegado a Marselha, nunca mais Yazalde foi o mesmo. A estrela do Pampas e de Alvalade extinguiu-se. Duas épocas no Olympique, 43 jogos e 23 golos, o que lhe valeu uma Taça de França na época de 1975/76. Embora sejam bons números, não se aproximam dos que somou em Portugal. Difícil adaptação, um campeonato mais complicado, uma equipa sem tempo para esperas, para adaptações. No final da época de 1976/77, Héctor Yazalde resolveu voltar ao seu país e gastar o resto do seu enorme talento nas equipas argentinas. Dar ao seu país o que o seu país lhe tinha dado, a ele, que tinha vindo de um bairro pobre e agora vivia no máximo conforto que Buenos Aires lhe poderia oferecer.
Jogou então, ainda 4 épocas no Newell’s Old Boys de Rosário, e mais uma no C. A. Huracan de Buenos Aires, já em fim de carreira. Héctor Yazalde já não era o mesmo, as suas pernas já não faziam a magia de antigamente, os seus remates já não eram tão mortais. Mas ainda era um jogador de classe, que ainda fazia a diferença. Antes de se arrastar pelos campos, Yazalde, que já não era novo, resolveu, finalmente, abandonar a carreira de jogador de futebol que o roubou aos pequenos trabalhos de sobrevivência para o transformar numa estrela planetária. E que em Portugal brilhou bastante.
Abandonados os relvados, Yazalde continuou ligado ao futebol, agora como agente de jogadores.
Em 1997, Héctor Yazalde faleceu de paragem cardíaca.
Héctor Yazalde, El Chirola, merecia mais que ser uma lembrança do Sporting Clube de Portugal.